Meu maior desejo, há anos, é que a gente seja capaz de fazer novos anos serem bons. Novos anos, novas carreiras, novos trabalhos, novos afetos. Assim como cozinhar em novas panelas, sabe? Às vezes vai grudar, as vezes vai queimar… mas a gente tem que aprender a fazer comida nela e deixar saboroso!
Esse final de ano fiquei em casa! O Natal passei comigo, em solitude, repensando a data, os encontros e principalmente os desencontros. Não faz mais sentido comemorar essa data de maneira cristã, embora eu ainda tenha costumes cristãos arraigados no meu dia-a-dia; como rezar o pai nosso e a ave maria todas as noites ou do contrário tenho pesadelos horrorosos. Hahaha
Já a virada do ano foi leve e acolhedora, com meus pais na minha casa, num preparo de reinternação da minha mãe. Pra quem me acompanha de perto, continuamos na luta contra a leucemia. E peço ao invisível, que eu tenha herdado a força da minha mãe. É de se admirar.
E por falar em força de um corpo feminino, te aviso que participei de mais um podcast: o Mamilos. Abrindo a temporada de férias falamos de que? Comida Afrodiaspórica. Muita gente já ouviu e me enviou mensagens maravilhosas. Fico sempre muito feliz por ter a certeza de que devo seguir sempre estudando e compartilhando, pois nada disso é óbvio como, às vezes, cismo em pensar.
Clica na imagem para ouvir. Recomendo e agradeço!
Aqui em São Paulo, onde vivo, tem feito dias chorosos. Garoas, chuvinhas e chuvões, fora de época para a nossa cidade. É bem provável que as águas de março que fechavam o verão se estendam por mais meses ou, sei lá, terminem bem antes. As questões climáticas estão gritando na nossa cara e precisamos assumir a responsabilidade do descompasso.
Um dia, estava olhando o movimento da chuva na janela e me bateu uma saudade de comer o bolinho de chuva da minha madrinha, Dona Yolanda, ou Nana. Ela fazia em questão de minutos e sempre, sempre, sempre dava certo. Ficava crocante por fora, macio por dentro, sequinho e no ponto! Aí decidi trazer pra vocês um pouco de história sobre esse docinho tão amado no Brasil.
Eu demoro a me assistir ou a me ouvir nos muitos trabalhos que participo, e agora fazendo essa lição de casa (depois de escrever e da Aniké editar) parei pra prestar atenção na minha fala e não é que começamos a conversa com a Ju Wallauer mencionando a saudade de comer “cueca virada”. Um tipo de bolinho de chuva lá de Porto Alegre, como ela mencionou. Coincidências? Não! É o universo conspirando.
A novidade (espero que seja novidade para você) é que o bolinho de chuva também é tradição em alguns países do continente africano. E como venho mergulhada na comida afrodiaspórica, encontrar essas similaridades, ou melhor, heranças, tem me feito muito feliz. Câmara Cascudo relatou em História da Alimentação no Brasil que a iguaria veio de Portugal, com a popularização do trigo em meados do século XVI. Mas não quero falar de Europa, e sim de como a África o introduziu na sua cultura alimentar.
Lá em Camarões e na Nigéria chamam de PUFF-PUFF, Gana chama de BOFROT ou TOGBEI. Na Libéria tem KALA e no Congo tem MIKATE. Em New Orleans (cidade negra, berço do jazz nos Estados Unidos), eles se chamam BEIGNET. Na África do Sul aparece com o nome de MANDAZI (ou Mahamri or Mamri), na Costa do Marfim é BOFLOTO. Vira BOTOKOIN no Togo, GATO no Mali, LEGEMAT no Sudão, AMAGWINYA no Zimbabwe. Ufa! (valeu Wikipedia)
O Bofrot é maiorzinho, e em quase todos os vídeos que assisti ele passa por dois panelões de óleos. Veja só!
O que os difere, na maioria das vezes, é a adição de novos ingredientes como gengibre, cardamomo, noz moscada, farinha de mandioca (no lugar do trigo), chocolate, baunilha, coco, vinho de palma ou molho apimentado, no lugar da nossa querida canela açucarada. Na minha última ida ao Vale do Ribeira (SP) para as pesquisas de campo do meu livro (calma, deve vir em 2024!) me ensinaram uma receita com banana. Então vemos que essa é uma receita andarilha. Difícil é saber onde tudo começou e como foi se espalhando. Nessa news não terei essa resposta de milhões, mas se você souber, por favor me conte!
O que achei sensacional, é a diferença de técnica! Enquanto aqui no Brasil o bolinho de chuva é um docinho para o café da tarde, ou até mesmo para manter as crianças dentro de casa em dias de chuva, como contava Dona Anastácia em “O Sítio do Pica Pau Amarelo”, na Nigéria ele é uma comida de rua e é colocado no óleo quente… COM AS MÃOS. Nada de colher, é na mão que eles são acarinhados e cuidadosa/corajosamente colocados pra dançar na imersão a milhões de graus. E quanto ao tacho, ao movimento da escumadeira e comunicação corporal, perceba a semelhança com as nossas lindas baianas de acarajé:
Imagem: Nana Kofi Acquah (Copyright: 2014)
Aproveito pra relembrar que minha querida Aline Chermoula já falou sobre o Puff-Puff e dividiu essa receita conosco.
História linda, né? Espero que vocês, assim como eu, passeiem por essas receitas e apresentem aos seus comensais (amo essa palavra) outros sabores, histórias e culturas. Quem sabe, se arrisquem a fazer em casa. Se for postar, me marca, quero ver! E sim, criei uma nova conta de instagram (a anterior segue em tentativa de resgate)! Vem papear comigo por lá também.
Vamos tornar essa news mais colaborativa? Me diz o que gostaria de ler por aqui!
Um abraço, um xêro, axé.
Que maravilhoso! Não fazia ideia que o bolinho de chuva existia em outros lugares. Amei os nomes, mas Puff Puff é imbatível! Obrigada por dividir conosco!
o único defeito desse texto é q ele não chegou com uma cumbuca de bolinho na minha caixa de entrada. pq até perfume eu senti daqui. <3