Estar ausente das redes sociais por mais de 30 dias tem me feito uma mulher mais instrospectiva e analista de si mesma. É muito estranho não estar ali após tantos anos. Sempre fui uma "postadeira" porque gosto, me faz bem, me ajuda a registrar momentos, ideias, projetos e acima de tudo beleza. Não sou uma influencer mas influencio muita gente a olhar para a sua própria relação com o alimento, com os estudos, o cuidado com o próprio corpo, com a casa, com o mundo. Eu falava de mim, das minhas filhas, do suco que decidia fazer pela manhã, lembrava as pessoas de beber água, ensinava a conservar melhor as compras da feira, compartilhava livros que estava lendo, exibia uma pele boa, um cabelo grisalho, uma música, um amor, algumas dores, um axé bem dado, algumas viagens. Sabe o que é mais legal? Que tudo isso continua acontecendo. Não existir ali nos permite existir mais profundamente aqui: no mundo real.
Mas uma coisa diferente também aconteceu: após alguns anos, nesse 2022, eu não trabalhei exaustivamente no mês da "consciência negra". A princípio temi que esse silenciamento das redes me prejudicaria além da conta. O prejuízo veio, mas veio numa proporção menor que imaginei. Em contrapartida trabalhei em outras frentes, participei de construções de projetos onde raça e identidade são protagonistas de avanços tecnológicos, estudos, geração de renda e outras lindezas mais. Falei menos de dor.
Quero compartilhar com vocês uma curadoria linda que tive o maior prazer em fazer. O I OCUPA MAB, do Museu Afro Brasil, o museu do meu coração. A convite da Zélia Peixoto, coordenadora de produção e programação, levei para os dois dias do evento profissionais negros da área da alimentação em São Paulo. Dois brasileiros com bastante experiência de comida do Brasil (uma que já foi minha mentorada no Afrolab Gastronomia da Feira Preta - que acontece agora nos dias 03 e 04, e outro que é cartão de visitas do MAB) e quatro imigrantes mentorados pelo Migraflix, uma startup social que promove o empreendedorismo cultural e gastronômico de refugiados e imigrantes, e vou começar falando destes.
O que sabemos sobre imigrantes e refugiados é só o que as notícias devastadoras das manchetes nos contam, e o que interpretamos a partir do nosso campo de visão li-mi-ta-do sobre esses corpos e com o pouco que aprendemos e o pouco que nossos pré-conceitos nos permitem absorver. Ou seja: quase nada! Quase nada de uma riqueza absurda.São os perigos de uma única história!
“A história única cria estereótipos, e o problema com os estereótipos não é que sejam mentira, mas que são incompletos. Eles fazem com que uma história se torne a única história”. Chimamanda Adichie
Existe um universo cultural grandioso no que esses profissionais entregam e deixo aqui, em imagens, o convite para que você se desfaça dos seus preconceitos (todos eles) e mergulhe em novos sabores e saberes.
Da República Democrática do Congo, a Sylvie (foto abaixo), nos apresentou duas iguarias que fiquei apaixonada: boulette e lituma. Já ouviu falar? Lituma é uma massa de banana da terra moldada em bolinhas recheadas e fritas, eu comi a de carne. Já a boulette é uma massa de semente de abóbora com recheio de espinafre que a Sylvie serviu com molho de berinjela. Sério.... estou com muita água na boca só de lembrar. Ela vende congelado e vou ter que viver essa emoção novamente.



Do Sudão, o Mohammed Taha Ahmed, trouxe com muita excelência esfihas de massa fofinha e leve, shawarmas bem enroladinhos, alguns doces caramelados e dois sucos bem diferentes: o gungles (feito com semente de arroz, milho germinado e erva doce) e o abra (feito com hibisco, feno grego e tâmaras). Chique demais!
De Uganda, Jéssica Ebaku (foto abaixo), nos encantou com samosas de carne e de ervilha, além de kelewele (banana da terra frita com gengibre), kabalagala (panqueca de banana da terra com doce de leite) e omunanasi (suco de abacaxi com gengibre). Tudo muito sensacional.



Como eu gosto de trazer outras referências para vocês consultarem histórias e receitas, segue um vídeo de como fazer a kabalagala em sua casa. Video da blogueira de comida, a belíssima Sophie Musoki, também de Uganda. Se joga aqui.
A primeira foto é do blog My diaspora kitchen, o kelewele. Já a terceira foto são as fofíssimas panquecas de banana da terra da Sophie Musoki. Eu amo a sonoridade dessas palavras africanas. Amo!
E de Angola, o Sebastian Januário, levou para a alegria dos carnívoros de plantão duas opções: um sanduíche com carne de boi, que eles chamam de Prego no pão. E os pinchos, que é uma porção de costelinhas de porco que desmanchavam e estavam bem temperadas, para comer no palitinho com bastante cebola caramelizada.



E falando de comida afrodiaspórica, essa mistura Brasil-África, tivemos a presença iluminada e sorridente da Suellen Maristela, da Matulas da Nêga. Ela faz o maior sucesso com suas geleias de pimenta e suas caponatas de umbigo de bananeira. Para quem está em São Paulo e nunca provou, recomendo muito! Aliás já coloquei em caixas de experiência para o Youtube Vozes Negras. Lá no MAB, ela vendeu tudo nos dois dias. Aliás.... todo mundo saiu muito feliz com as vendas.
E quem frequenta as festas do MAB já deve ter conhecido o Tabuleiro do Alcides, que figura lindamente com seus trajes de richelieu, vendendo deliciosos acarajés crocantes, bolinho de estudante e cocadas. Com seu sorriso e simpatia ímpares. Pra quem tem vontade de fazer comida afrodiaspórica em casa, acessa o canal da Lili Almeida, testa essas duas receitas de acarajé e bolinho de estudante e me conta como ficou, quais foram os seus desafios. Axé!
Enfim... foram dois dias de muita celebração com apresentações musicais, muita dança, muitos abraços e sorrisos ... como nosso povo gosta de celebrar! E que os dias de glória sejam maiores que os dias de luta.
O por falar em glória, chegou o meu exemplar do livro da Taís de Sant’anna Machado que é uma bomba de explodir cabeças despertas, pega o fio desse post! Que pesquisa primorosa, um livrão! Estou devorando, aprendendo muito, pensando mais profundamente nessas questões que tanto me tocam! Tem orelha escrita pela super Dona Carmem Virgínia, prefácio da professorona Lourence Alves, tem a história de Benê Ricardo e por aí vai … Essa bibliografia não está no meu curso e deveria estar! Falarei muito dele! Adquira o seu aqui!
Pra quem me lê .... meu muito obrigada de sempre!
Aproveita que chegou até o final e me manda uma mensagem. Me diz se está gostando! Essa news está cheia de links para você mergulhar nos assuntos, tem os mapas dos países mencionados, receitas e vídeos. #falacomigo
Um xêro, Axé!
Muito feliz em fazer parte dessa matéria linda
sempre uma delícia acompanhar seu trabalho, seja por onde for <3